terça-feira, 29 de maio de 2018

Freud e a Cultura

Betty Bernardo Fuks, Psicanalista, Doutora Professora da Universidade Veiga de Almeida no Rio de Janeiro, é conferencista confirmada em nossas Jornadas 2018. 


Autora de livros como Freud e a Cultura, 100 anos de Totem e Tabu, Freud e a Judeidade: a vocação do exílio, O Homem Moisés e a Religião Monoteísta, entre outros. E de artigos como Segregação Constituva do Outro em Tempos de Totalitarismo, A Psicanálise nos Tempos da Auto-estima Delirante, Por que a Crueldade? e A Cor da Carne;  tem trajetória tão produtiva acerca do tema que nos convoca, que é difícil escolher apenas um texto seu para compartilhar.


Neste momento, partimos de um trecho de "Freud e a Cultura" (2003, P. 48 e 49), que nos instigou a conhecer ainda mais de seu trabalho:



   "Este fenômeno grupal de amor entre si e ódio ao outro, Freud denominou de narcisismo das pequenas diferenças. O termo narcisismo entra para o vocabulário psicanalítico para designar o modo como o sujeito encontra em si mesmo um objeto de gozo sexual. Quando aplicado às massas o conceito designa a insuflação amorosa da identidade coletiva obtida. Já o termo "pequenas diferenças" foi cunhado para descrever o processo pelo qual, sob a égide do ideal de supremacia, a intolerância ao outro é exibida muito mais intensamente contra as diferenças próximas do que contra as fundamentais. 
   Em termos "normais", o "narcisismo das pequenas diferenças" está na base da constituição do "nós"e do "outro", na fronteira que tem por função resguardar o narcisismo da unidade. Trata-se de um fenômeno que ocorre na tensão que existe entre povos vizinhos (por exemplo, as rixas entre brasileiros e argentinos), entre indivíduos de estados diferentes de um mesmo país (entre cariocas e paulistas), ou até mesmo dentro de uma mesma cidade (entre a zona sul e a zona norte). Ou seja, são pequenas diferenças reais que impedem que o outro seja um perfeito semelhante, o que significa que o ódio não nasce da distância, mas da proximidade. E, exatamente porque não se trata de uma diferença qualquer, é que se produz o estranhamento que detona os impulsos hostis contra aqueles que estão apenas um pouco mais além do espelho
   Levando o fenômeno do narcisismo das pequenas diferenças ao paroxismo, desembocamos na segregação e no racismo, tal como os definem a psicanálise: a repulsa do sujeito ao que lhe é mais íntimo é tomado pelo eu/massa como objeto externo, a quem se endereça o ódio: o estrangeiro. Esse potencial de exclusão, situado para além de uma diferenciação entre o "eu" e o "outro" visa, justamente, toda a eliminação da diferença. O horror ao não-familiar tornou-se na modernidade, uma arma política do ideal de normalização da sociedade. 
   No contexto dessa interpretação, o discurso de Hitler é exemplar, pois permite perceber com clareza o que Freud compreendia como pequena diferença: "O judeu habita em nós; porém, é mais fácil combatê-lo sob sua forma corporal do que sob a forma de um demônio invisível". Essa fantasia violenta e homicida é um exemplo preciso de como, em última instância, a manipulação pura e simples do ódio se serve da dimensão agressiva do sujeito quando face a face com a inquietante estranheza do outro, aquilo que lhe é a um só tempo o mais íntimo e o mais exterior."


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