Convocatória

Em 1918, no texto “O tabu da virgindade”, Freud mencionou pela primeira vez o “narcisismo das pequenas diferenças” ao apresentar a tendência de cada sujeito em se separar dos demais por suas pequenas diferenças, que mesmo diante de todas as demais semelhanças aparecem enaltecidas provocando estranheza e hostilidade. 

Mais tarde, em “Psicologia das massas e análise do eu” (1921), Freud afirma que toda intolerância fica em suspenso, temporariamente ou de modo duradouro, por meio da formação de massas. Enquanto esta perdura, suportam-se as particularidades uns dos outros e não se repudiam, mas fazem laços para dirigir hostilidade àqueles que estão fora. Ainda que esse não seja um fenômeno exclusivo de massa, é aí que aparece sem disfarces. 

Em 1930, Freud aborda esse tema em o “Mal-estar na civilização” acentuando as questões de exclusão, rejeição e pulsão destinada ao outro. E em “Moisés e o Monoteísmo” (1939), descobre o caráter indefinível da diferença, que toma seu apoio na violência da convenção simbólica e no pacto contratual, que faz com que se torne assim mais arbitrária, pois não está mais centrada na diferença da imagem.

Ao pensar relações de vizinhança e familiares, abarcar os processos de não reconhecimento do outro (chamados narcísicos) e o ódio ao semelhante – que nasce da proximidade e não da distância – Freud delineou a manifestação do narcisismo na cultura e apresentou-nos o “narcisismo das pequenas diferenças”.

É para se fazer valer que o narcisismo recorre às pequenas diferenças. E é do conceito do narcisismo que partimos e seguimos, pois escolhemos trabalhar o modo como o sujeito tenta resguardar o narcisismo da unidade na relação do “nós” e com o “outro”. 

Confrontado com questões atemporais, o pai da psicanálise debruçou-se sobre incidências sociais e políticas de seu tempo, por atingirem inevitavelmente o discurso psicanalítico - o que nos convoca a nos tornarmos críticos da cultura que testemunhamos. E é com Lacan que retomamos o compromisso de seguirmos atentos à escuta da subjetividade de nossa época como fundamental ao exercício da psicanálise. 

A conferência de Lacan “Falo às paredes” nos convocou a (re)pensar, uma vez que nesse texto ele tratou de dar a razão dos muros, erguidos a serviço da segregação e estigmatização do outro como ‘perigoso’.

Se esse tema nos chega na referência das relações com os vizinhos em que, enaltecidas as diferenças, sustentava-se o lugar soberbo do sujeito de criticar e rechaçar o que vinha do outro, nosso convite é, neste momento, uma criação a partir disso: que possamos subir para espiar o que está sendo feito do outro lado do muro que separa nossos consultórios, nossa Instituição, nossas casas, para que, escutando o entorno, escutemos mais dos sujeitos que nos falam e do desejo do analista. 

Num tempo de exclusão, em que a intolerância impera, que nossas diferenças nos coloquem a trabalhar. 

Convidamos cada um, sujeitos de pequenas e singulares diferenças, a dividirem conosco esse percurso de trabalho e escuta sobre o que é possível e preciso fazer com as questões que nos atravessam em nossos tempos.

Comissão Organizadora:
Amanda Rabusky, Bruna da Silva, Cléia Canatto, 
Jeanine Fialho, Luana Vizentin, Tahiana Brittes (Coordenadora)

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