segunda-feira, 23 de abril de 2018

Olhares e escuta sobre o tema...


Cléia Canatto passeia pelos textos de Freud e divide conosco trechos de sua escuta num compilado de imagens que conduzem olhares sobre a teoria de forma poética e reflexiva...

Música "Sampa" de Caetano Veloso
Obra "Narciso" de Caravaggio


Texto de Freud em "Psicologia de Grupo e Análise do Ego" [1921]
Obra: Cena de aldeia com a pousada (taverna) São Miguel. Pieter Brueghel, o Jovem.


Texto de Freud "O Mal Estar da Civilização"[1930]
Imagens de pintores diversos do livro "Floresta Encantada"
Adaptação da metáfora do porco-espinho criada por A. Schopenhauer

Por Cléia Canatto

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Ilusões Perdidas


Tânia Mascarello divide conosco seu texto “ILUSÕES PERDIDAS”:

                                                                                            “Isso soa esplêndido! Uma raça de homens que renunciou a todas as ilusões e assim se tornou capaz de fazer tolerável sua existência na terra!"       S.Freud, O futuro de uma ilusão.

        “O amo é sempre aquele que sacrificou alguma coisa de si e que,
 por isso, adquiriu  o “direito” à violência de sacrificar, eternizada pela relação de dominação.”  A. Juranville, Lacan e a Filosofia.


             

     I – A topologia

    “Havia um muro. Não parecia importante. Era um muro de pedras sem polir, unidas por uma tosca argamassa. Um adulto podia olhar por cima dele, e até uma criança podia escala-lo. Ali onde atravessava a estrada, em lugar de ter um portão, degenerava em mera geometria, uma linha, uma idéia de fronteira. Mas a idéia era real.”
      É assim que Ùrsula Le Guin inicia seu livro “Os despossuídos”. História sobre planetas gêmeos, distintos mundo.
    Havia um muro, portanto, que igual a todos os muros era ambíguo, bifacetário. O que havia dentro, o que havia fora dele, dependia do lado em que cada um se encontrava. A marca que separa um mundo do outro é um risco, nem sequer marcado, um risco virtual no terreno e estes dois mundos constituem-se em porções brutalmente assimétricas do que se supõem um universo. A divisão se dava por uma linha geométrica. Não havia uma marca que dissesse até aqui está um lado e daqui para lá está o outro. Mas o que decide que aí há uma marca é o que acontece de um lado e do outro da linha, que por isso mesmo se definem como dois lados.
Este muro, linha traçada sobre a superfície de um planeta,  define a topologia da esfera. Uma topologia de superfície, portanto.
Estas idéias me parecem fecundas para poder pensar as linhas que traçam, que constroem  a realidade do mundo que chamamos nosso.

               II – Um significante

                  A psicanálise nos ensina que um significante é sempre corte em superfície.
   O significante marca zonas (erógenas), faz corte entre presença/ausência, corte entre significante e significado. O significante divide o sujeito em sujeito do enunciado e sujeito da enunciação. O significante busca fazer cortes no Real, esburacar o Real. Corta o silêncio.
    No nosso mundo irrompeu um Real e um significante o nomeou: TERROR.
    No primeiro momento só este significante era repetido, como significante puro, fora do significado. Ele ecoou no planeta como repetição do puro sem-sentido. Momento de angústia, captura do sujeito pela imagem, procura pelo sentido, tentativas de organizar o Imaginário. Depois veio a busca por estreitar o Real com outros significantes, atribuindo-lhe significação e as possíveis articulações com a lei.     
   O ato elevou este significante – Terror – que tinha se tornado  moeda gasta, ao estatuto de  um significante novo. Foi dito: “Este é outro terror”, ou, “o mundo não será mais o mesmo”, ou ainda, “estamos diante de uma outra realidade”...

               III –  O significante no mundo – Uma temática Freudiana

                   Não deixa de ser tentador ver em Freud o visionário. Especialmente, talvez, quando nos deparamos com uma nova cara do mal-estar na cultura, que nos defronta com a assustadora atualidade de seus escritos e com a justeza de suas preocupações.
    A história, aliada da psicanálise, confirma que a repetição é com diferença, o que abre espaço para novos significantes.Também o Imaginário forja uma nova realidade visto que os mesmos velhos fantasmas ganham novas roupagens. A realidade é fantasmática, diz Lacan. Estaríamos, contudo, diante de um novo homem?
    A pergunta pelo novo homem é retórica, posto que para a psicanálise trata-se sempre do sujeito singular. O que não impede de nos perguntarmos pelas posições dos sujeitos diante das pontas do Real que perturbam a realidade e se traduzem em mal-estar.
     Freud apresenta-nos suas reflexões sobre o narcisismo das pequenas diferenças e suas feridas; as formas de ideais egóicos; os objetos-fetiche ou símbolos da não castração; os fenômenos de massa e a alienante obediência ao líder; a religião como uma ilusão que protege o homem comum do desamparo; o preço a pagar pelo acesso à cultura, entre outras coisas. Todas estas elaborações freudianas, penso, poderiam abordar um viés dos acontecimentos relativos ao terror.
     Qualquer mundo social é caracterizado por “sintomas sociais”, que marcam a presença de algo que é da ordem do discurso analítico. Lacan fala em epidemias. Sintomas sociais são esses fenômenos que não compreendemos, com os quais “não se avança”, e que  entretanto, têm uma verdade irredutível, que são a um só tempo novos e cativantes, sedutores e evidentes, como a tradição. Esses sintomas revelam de que forma os diferentes modos existenciais  de cada época, abrem passagem ao Real e como lidam com a falha do mundo. ( jur. 412-3) 
    Nesta ótica, o significante Globalização é um significante muito bem escolhido já que não há imagem de maior completude e também mais oca que a do globo. Seu poder de fazer semblante de amo, tem produzido efeitos arrasadores. A ilusão do globalizado, sustentada na sedução da imagem, colore os sonhos de bilhões de espectadores. A televisão, triturando a carne e os ossos do concreto, divulga imagens.Tudo é convertido em espetáculo. Divulgando os fatos no momento do acontecimento, cria a ilusão da experiência compartilhada e a de que no quadro tendenciosamente dado a ver, se encontra a verdade toda. A realidade oferece um semblante de consistência plena, erigindo-se como eixo dos destinos. A realidade hoje, toma  o nome de “Realidade Econômica” e dá sustentação ao poder. Para  reforçar e ampliar o poder, gerou-se uma realidade de identidade plena, sem tempo nem diferença.
      Lacan, em Genebra afirma: “O poder jamais repousa sobre a força pura e simples, o poder é sempre um poder vinculado à palavra”. Os slogans criados sobre o terror, o narcotráfico, a corrupção, o mercado, e os efeitos que provocam em ato, nos dizem bem disso, como situações que sob a aparência de denúncia, são assinaladas como inevitáveis, forjadas aos moldes dos “delírios de fim de mundo”, que instituem um Grande Outro Absoluto, Outro não barrado, detentor do Saber e da Verdade, poder sobre a vida e a morte.
     Com esta afirmação de Lacan, implicamos o psicanalista. O psicanalista crê nas palavras, no poder das palavras. Trata-se do instrumento de sua práxis. Mas “A psicanálise faz surgir na história, um novo tipo de responsabilidade: estar ligado a um desejo que implica a inexistência do Outro. É o limite de sua aposta, aposta que os analistas não devem ignorar”.(Jorge Aleman)
     A ética do discurso analítico se distingue por ser essencialmente antinômica com o todo, com o saber sem falhas, que pretenda dar conta de toda a realidade. Efetua sua operação levando o saber no lugar da verdade. Saber parcial, verdades parciais, que vão deixando suas marcas.
     Finalizo repetindo um ensinamento de Lacan que retirei da Proposição 9 de Outubro: “ Tudo o que resume a função de nossa escola, é que ela presentifica a psicanálise no mundo”.
  




quarta-feira, 18 de abril de 2018

O Narcisismo no Tema Institucional


Em nosso percurso de estudos do tema Institucional, passamos por um dos textos de  Freud "Sobre o Narcisismo: uma introdução". Nele, Freud escreveu um dos mais belos e importantes comentários sobre a constituição do sujeito, apontando que a criança representa para seus pais, assim como para ela mesma, uma aposta narcísica.



(Tela de Arthur Drummond "Sua Majestade o Bebê")

“O narcisismo primário das crianças por nós pressuposto e que forma um dos postulados de nossas teorias da libido é menos fácil de apreender pela observação direta do que de confirmar por alguma outra inferência. Se prestarmos atenção à atitude dos pais afetuosos para com os filhos, temos de reconhecer que ela é uma revivescência e reprodução de seu próprio narcisismo, que de há muito abandonaram. O indicador digno de confiança constituído pela supervalorização, que já reconhecemos como um estigma narcisista no caso da escolha objetal , domina, como todos nós sabemos, sua atitude emocional. Assim eles se acham sob a compulsão de atribuir todas as perfeições ao filho – o que uma observação sóbria não permitira – e de ocultar e esquecer todas as deficiências dele. (Incidentalmente, a negação da sexualidade nas crianças está relacionada a isso.) Além disso, sentem-se inclinados a suspender, em favor da criança, o funcionamento de todas as aquisições culturais que seu próprio narcisismo foi forçado a respeitar, e a renovar em nome dela as reivindicações e aos privilégios de há muito por eles próprios abandonados. A criança terá mais divertimentos que seus pais; ela não ficará sujeita às necessidades que eles reconheceram como supremas na vida. A doença, a morte, a renúncia ao prazer, restrições à sua vontade própria não a atingirão; as as leis da natureza e da sociedade serão ab-rogadas em seu favor; ela será mais uma vez realmente o centro e o âmago da criação – “Sua Majestade o bebê”, como outrora nós mesmos nos imaginávamos. A criança concretizará os sonhos dourados que os pais jamais realizaram – o menino se tornará um grande homem e um herói em lugar do pai, e a menina se casará com um príncipe como compensação para sua mãe. No ponto mais sensível do Sistema narcisista, a imortalidade do ego, tão oprimida pela realidade, a segurança é alcançada por meio do refúgio na criança. O amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantile, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido, o qual, transformado em amor objetal, inequivocamente revela sua natureza anterior”. (Freud [1914], 2006, P.87)
                                             Por Jeanine Fialho