Tânia
Mascarello divide conosco seu texto “ILUSÕES PERDIDAS”:
“Isso
soa esplêndido! Uma raça de homens que renunciou a todas as ilusões e assim se
tornou capaz de fazer tolerável sua existência na terra!" S.Freud, O
futuro de uma ilusão.
“O amo é sempre aquele que sacrificou alguma
coisa de si e que,
por isso, adquiriu o
“direito” à violência de sacrificar,
eternizada pela relação de dominação.” A. Juranville, Lacan e a Filosofia.
I – A topologia
“Havia um
muro. Não parecia importante. Era um muro de pedras sem polir, unidas
por uma tosca argamassa. Um adulto podia olhar por cima dele, e até uma criança podia escala-lo. Ali onde atravessava a estrada, em
lugar de ter um portão, degenerava em mera geometria, uma linha, uma idéia de
fronteira. Mas a idéia era real.”
É assim que Ùrsula Le Guin inicia seu livro “Os despossuídos”.
História sobre planetas gêmeos, distintos mundo.
Havia um muro,
portanto, que igual a todos os muros era ambíguo, bifacetário. O que havia
dentro, o que havia fora dele, dependia do lado em que cada um se encontrava. A
marca que separa um mundo do outro é um risco, nem sequer marcado, um risco
virtual no terreno e estes dois mundos constituem-se em porções brutalmente
assimétricas do que se supõem um universo. A divisão se dava por uma linha
geométrica. Não havia uma marca que dissesse até aqui está um lado e daqui para
lá está o outro. Mas o que decide que aí há uma marca é o que acontece de um
lado e do outro da linha, que por isso mesmo se definem como dois lados.
Este muro,
linha traçada sobre a superfície de um planeta,
define a topologia da esfera. Uma topologia de superfície, portanto.
Estas idéias me parecem fecundas para poder pensar as linhas que traçam, que
constroem a realidade do mundo que
chamamos nosso.
II – Um significante
A
psicanálise nos ensina que um significante é sempre
corte em superfície.
O
significante marca zonas (erógenas), faz corte entre
presença/ausência, corte entre significante e significado. O
significante divide o sujeito em sujeito do enunciado e sujeito da enunciação. O significante busca fazer cortes no Real, esburacar o Real.
Corta o silêncio.
No nosso mundo irrompeu um Real e um significante o nomeou: TERROR.
No primeiro momento só este significante era repetido, como significante puro, fora do
significado. Ele ecoou no planeta como repetição do puro sem-sentido. Momento
de angústia, captura do sujeito pela imagem, procura pelo sentido, tentativas
de organizar o Imaginário. Depois veio a busca por
estreitar o Real com outros significantes, atribuindo-lhe significação e as
possíveis articulações com a lei.
O ato elevou este significante – Terror – que tinha se tornado
moeda gasta, ao estatuto de
um significante novo. Foi dito: “Este é outro
terror”, ou, “o mundo não será mais o mesmo”, ou ainda, “estamos diante de uma
outra realidade”...
III – O significante no mundo – Uma temática
Freudiana
Não deixa de
ser tentador ver em Freud o visionário. Especialmente, talvez, quando nos
deparamos com uma nova cara do mal-estar na cultura, que nos defronta com a
assustadora atualidade de seus escritos e com a justeza de suas preocupações.
A história,
aliada da psicanálise, confirma que a repetição é com diferença, o que abre
espaço para novos significantes.Também o Imaginário forja uma nova realidade
visto que os mesmos velhos fantasmas ganham novas roupagens. A realidade é fantasmática, diz Lacan. Estaríamos, contudo, diante de um novo homem?
A pergunta pelo novo homem é retórica, posto que para a psicanálise trata-se sempre do sujeito
singular. O que não impede de nos perguntarmos pelas posições dos sujeitos
diante das pontas do Real que perturbam a realidade e se traduzem em mal-estar.
Freud apresenta-nos suas
reflexões sobre o narcisismo das pequenas diferenças
e suas feridas; as formas de ideais egóicos; os objetos-fetiche ou símbolos da
não castração; os fenômenos de massa e a alienante obediência ao líder; a
religião como uma ilusão que protege o homem comum do desamparo; o preço a
pagar pelo acesso à cultura, entre outras coisas. Todas estas elaborações
freudianas, penso, poderiam abordar um viés dos
acontecimentos relativos ao terror.
Qualquer mundo social é caracterizado por “sintomas sociais”, que marcam a presença de
algo que é da ordem do discurso analítico. Lacan fala em epidemias. Sintomas
sociais são esses fenômenos que não compreendemos, com os quais “não se avança”, e que
entretanto, têm uma verdade irredutível, que são a um só tempo novos e
cativantes, sedutores e evidentes, como a tradição. Esses sintomas revelam de
que forma os diferentes modos existenciais
de cada época, abrem passagem ao Real e como lidam com a falha do
mundo. ( jur. 412-3)
Nesta ótica, o significante Globalização é um
significante muito bem escolhido já que não há imagem de maior completude e
também mais oca que a do globo. Seu poder de fazer semblante de amo, tem
produzido efeitos arrasadores. A ilusão do
globalizado, sustentada na sedução da imagem, colore os sonhos de bilhões de
espectadores. A televisão, triturando a carne e os ossos do concreto, divulga
imagens.Tudo é convertido em espetáculo.
Divulgando os fatos no momento do acontecimento, cria a ilusão da experiência
compartilhada e a de que no quadro tendenciosamente dado a ver, se encontra a
verdade toda. A realidade oferece um semblante de consistência plena,
erigindo-se como eixo dos destinos. A realidade hoje, toma o nome de “Realidade
Econômica” e dá sustentação ao poder. Para
reforçar e ampliar o poder, gerou-se uma realidade de identidade plena,
sem tempo nem diferença.
Lacan, em Genebra afirma: “O poder
jamais repousa sobre a força pura e simples, o poder é sempre um poder
vinculado à palavra”. Os slogans criados sobre o terror, o narcotráfico, a
corrupção, o mercado, e os efeitos que provocam em ato, nos dizem bem disso,
como situações que sob a aparência de denúncia, são assinaladas como
inevitáveis, forjadas aos moldes dos “delírios de fim de mundo”, que instituem
um Grande Outro Absoluto, Outro não barrado, detentor do Saber e da Verdade,
poder sobre a vida e a morte.
Com esta afirmação de Lacan,
implicamos o psicanalista. O psicanalista crê nas palavras, no poder das
palavras. Trata-se do instrumento de sua práxis. Mas “A psicanálise faz surgir
na história, um novo tipo de responsabilidade: estar ligado a um desejo que
implica a inexistência do Outro. É o limite de sua aposta, aposta que os
analistas não devem ignorar”.(Jorge Aleman)
A ética do
discurso analítico se distingue por ser essencialmente antinômica com o todo,
com o saber sem falhas, que pretenda dar conta de toda a realidade. Efetua sua
operação levando o saber no lugar da verdade. Saber parcial, verdades parciais,
que vão deixando suas marcas.
Finalizo repetindo um
ensinamento de Lacan que retirei da Proposição 9 de Outubro: “ Tudo o que
resume a função de nossa escola, é que ela presentifica a psicanálise no
mundo”.