quarta-feira, 18 de julho de 2018

Uma Pequena Reflexão Sobre o Narcisismo das Pequenas Diferenças


A participação dos colegas no  Tema Institucional traz ricas discussões aos nossos estudos. Em um dos encontros, contamos com a fala do Adjunto Antonio Roberto Silva,  que nesse momento, compartilha seu texto conosco. 


O tema narcisismo das pequenas diferenças é um tema que nos reporta a noção freudiana de um lugar de fechamento e tensão entre os grupos sociais, que nos evidencia a noção de um lugar onde esses grupos se  condensam e se obrigam de alguma maneira a se reconhecerem e se respeitarem especificamente diante de uma certa tendência. E qual seria essa tendência? A tendência a uma certa aversão, a um estranhamento ou mesmo abominação, uma tendência em última instância de execrar a tudo aquilo que não reflete a imagem deles próprios.
Esse tema de saída já nos parece instigante por trazer em sua enunciação, algo da ordem a antítese, na medida em que percebemos nele, a reunião de palavras que sugerem uma oposição: Narcisismo e Diferenças. Se por um lado a palavra narcisismo nos remete a uma certa experiência de onipotência primária e completude, onde inicialmente tudo é permitido e apreciado, a palavra diferença nos faz supor uma oposição a essa primeira, na medida em que se qualifica como sendo da ordem da distinção entre aquilo que é semelhante, algo que não possui igualdade e, "se narciso acha feio o que não é espelho" é porque a diferença desvela o seu avesso e rompe com a ilusão de uma imagem completa, unificada. "Nas antipatias e aversões indisfarçadas que as pessoas sentem por estranhos com quem tem de tratar, podemos identificar a expressão do amor a si mesmo" - diz Freud no livro a Psicologia das Massas e análise do eu. Esse amor que trabalha para a preservação do indivíduo, comporta-se como se a ocorrência de qualquer divergência envolvesse uma crítica delas é uma exigência de sua alteração. Na formação de grupos, a totalidade dessa intolerância se esvai de forma temporária ou permanente, dentro do grupo.
Ao trabalhar a morfologia dos grupos, trazendo como exemplos, os chamados grupos artificiais, a Igreja e o Exército, Freud irá observar que tanto na Igreja quanto no exército, por mais diferentes que possam parecer em outros aspectos, nesses grupos prevalece a mesma ilusão da existência de "um cabeça", um líder, e ressalta que nesses dois grupos artificiais cada indivíduo está ligado por laços libidinais por um lado (ao líder), e por outro aos demais membros do grupo. O laço com o líder parece ser um fator mais dominante que o outro, diz Freud. No caso de dissolução,os laços mútuos entre os membros do grupo desaparecem ao mesmo tempo que o laço com o seu líder. Freud identifica que nas formações de grupo os indivíduos comportam-se como se fossem uniformes, tolerando as peculiaridades dos outros membros igualando-se a eles e não sentindo aversão por eles. Nesse sentido Freud ressalta que uma tal limitação ao narcisismo só pode ser produzida por um fator: um laço libidinal com as outras pessoas. Para Freud, a libido se liga à satisfação das grandes necessidades vitais e escolhe como os seus primeiros objetos as pessoas que têm parte nesse processo. No desenvolvimento da humanidade como um todo, diz ele, só o amor atua como fator civilizador no sentido de ocasionar a modificação  de egoísmo em altruísmo. Se o amor tem essa função nesse caso citado por Freud, não podemos ficar indiferentes à sua outra afirmação de que os homens dão prova de uma presteza ao odiar, de uma agressividade cuja fonte é desconhecida.
Sabe-se que qualquer diferença pode de fato ameaçar a integridade narcísica do eu, colocando em cheque o narcisismo, a completude. Nós grupos cujo sujeitos se acham aprisionados aos seus mitos e ritmos, identificados a um líder ou ideal que lhe usurpa a singularidade de cada membro, emerge aí uma massa sedimentada em um espaço particular, como se ali desde sempre habitara a verdade, rechaçando portanto tudo que lhe é diferente da imagem deles próprios. É a noção de narcisismo das diferenças que aponta para uma heterogeneidade grupal embasada a partir de uma homogeneidade muitas vezes cega, ilusória, narcísica e equivocante.


Referências:
 FREUD, S. "Psicologia das massas e análise do eu”. Vol. XVIII
 FREUD, S. "O mal-estar na cultura”. Vol. XXI
 LACAN, J. “A pequena diferença” In Seminário 19 ... ou pior. 

Um comentário:

  1. Em tempo: correção de texto no segundo parágrafo, na quinta linha: lê-se "a palavra diferença" e não "a palavra indiferença" conforme foi digitado.

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